Escrevi mesmo numa noite de chuva.


Classificação: 14 anos

Gênero: Amizade, confissão, yuri

Sinopse: Duas moças ficam afastadas do mundo por causa da chuva.


In a rainy night

Aqui, ouvindo o som da chuva caindo, percebo o quão relaxante é. Distrai os pensamentos e parece música. As vezes, o trovão ruge complementando a melodia. O relâmpago e o raio iluminam ao nosso redor e em momentos nos damos conta de que não estamos sós. E, é claro, por vezes vem o vento e rouba-nos o calor.
A tempestade cai e ela treme ao meu lado. Minha contemplação à natureza se perde naquele fim de tarde cinzento e iluminado. Não teme a fúria da natureza mas treme com o frio das roupas molhadas. E uma segunda contemplação começa.
Seu olhar se perdia além do batente da porta onde se apoiava ao meu lado, seus longos cabelos pretos encharcados lhe emolduravam o rosto delicado; as roupas simples gotejavam incessantemente. Sorri quando lembrei que lhe pedi para usar roupas simples pois lidaríamos com terra e ela apareceu de calça jeans, botinas e camisa; a cidade grande não lhe tomou o jeito afinal. Parecia bem a vontade e o brilho em seus olhos delatavam sua emoção para com o espetáculo da natureza. Perdi quando ela desviou o olhar para mim e sorriu, com os labios arroxeando.
Perdi a batalha contra meus temores e fui obrigada a admitir que não havia pessoa mais maravilhosa na terra do que esta. Meu coração palpitava nervoso e o frio de minhas próprias roupas molhadas não me incomodava. Sorri de volta e segurei sua mão. Estava gelada.
“Vamos. Precisamos tirar essa roupa molhada e arranjar algo que nos aqueça.” Disse, puxando-a para dentro do casebre.
O casebre em questão que nos abrigava há anos era desabitado, salvo alguns dias em que eu ia lá alimentar os animais, cuidar da terra e passar a noite. Era de apenas um cômodo e tudo suficiente para uma pessoa; eu não mantinha roupas sobressalentes, apenas um cobertor e roupa de cama para o pequeno colchão velho de espuma. Meu plano era ir embora ao anoitecer. Chegaríamos a tempo para o jantar; mas a chuva despencou assim que saímos galopando. Já estávamos encharcadas quando consegui prender o cavalo embaixo de uma tapagem ao lado do casebre.
“Acha que passa logo?” Ela perguntou deixando-se guiar.
“Provavelmente não. Vamos ter que ficar por aqui.” Soltei sua mão e fui verificar o pequeno fogão em um canto. “Não temos lenha. E o que tem lá fora está molhado, não vai adiantar.”
“Então o que temos?” Abraçava a si, tentando não tremer. Parei para pensar um pouco. Ainda tinha uma penumbra e eu mantinha uma lanterna na cômoda perto da cama. Não havia energia elétrica ali.
“Um cobertor, um lençol extra e uma lanterna.” Anunciei finalmente. E ela choramingou nossa falta de sorte. “Não tem muito o que fazer além de nos enrolarmos nas cobertas e ver a chuva cair.”
“Então é isso que temos pra hoje.”
Após uma gargalhada, entreguei-lhe o cobertor que era mais quente e nos viramos para tirarmos as roupas molhadas. Consegui esticar minhas roupas em uma das cadeiras. Quando me virei, já enrolada no lençol, percebi que ela fizera o mesmo. No entanto me observava de forma enigmática enrolada no cobertor.
“Está menos frio agora?” Perguntei.
“Logo estará.” Sorri com a resposta.
Voltamos a observar a tempestade do batente da porta. Vimos o final da mudança de tons de cinza e a noite vir por cima de todas aquelas nuvens carregadas e raivosas. Sem trocar uma palavra. Apenas escutávamos a conversa dos raios e dos trovões. A cada rajada de vento, ela fechava os olhos e aproveitava o ar gelado.
Fui para cama primeiro, algumas horas depois de termos tirado as roupas. Não se passou muito tempo e percebi que ela se juntara a mim. Ajeitei-me para que ambas pudessemos caber mais confortavelmente naquele pequeno espaço. Quando ficou confortável, ela jogou uma parte do cobertor em cima de mim.
“Não vai ficar com frio se dividir comigo?”
“Você também está com frio.”
Revirei os olhos mas me desenrolei do lençol e tentei cobri-la por debaixo do cobertor. Meu braço encostou em seu corpo, de ombro a ombro, e percebi que já estava quente. Seu calor me arrepiou e eu lembrei. Senti-a se movimentando mais para perto de mim, encaixando-se embaixo do lençol e encostando a lateral de seu corpo despido no meu. Virei-me de lado, com o rosto em sua direção; ela fez o mesmo. Senti sua respiração em meu rosto.
“Essa posição não está ajudando…”
“Por que?”
“Quero te beijar desde que te vi na praça. Mas assim está difícil de me controlar…”
“Está sendo difícil pra mim também, que bom que comentou…”
O lençol se mexeu, a cama reclamou, e um calor certeiro me atingiu os lábios. Eu imaginei esse momento de muitas formas, mas beijá-la nua num casebre no meio da roça superou todas elas. O susto não durou cinco segundos e eu retribuí o beijo.
“Quero chegar mais perto.” Susurrou após o beijo.
“Vem.” Sussurrei de volta e senti seu corpo encostar no meu. Respirei fundo e suspirei, com uma satisfação sem tamanho. Suas coxas nas minhas, com as pernas se entrelaçando naturalmente; um torço no outro e o calor que me abraçou tão intimamente.
Todo meu interior se expandiu com essa realização. Estávamos imersas em um ato de pura intimidade e confiança. Sorri de corpo e alma, passei um braço em torno de sua cintura e mais uma vez extingui a distância entre nossos lábios. Seu suspiro derretido de regozijo foi o suficiente para me reafirmar como a pessoa mais sortuda e abençoada desta terra.
Assim adormecemos, em nossos braços a beijos lentos com a exuberante melodia raivosa da natureza.

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